quinta-feira, 31 de agosto de 2017

BATISTAS REFORMADOS?

    Visando um cristianismo autêntico e igrejas vigorosas, atualmente há um movimento que prega o retorno à teologia da reforma protestante. Uma vertente deste movimento é a dos neo puritanos, que pregam especificamente um retorno à teologia e ética puritanas. Este movimento reformado tem atraído inclusive batistas, que não só integraram-se ao movimento, como fazem sua apologia. 
  Diante deste movimento, é necessária a discussão de relevantes questões:
1) À qual teologia reformada o movimento se refere? Existiram vários grupos reformados, cada um com suas peculiaridades.
2) A teologia reformada, ou teologias reformadas, é, ou são, totalmente bíblicas?
3) Os reformadores e seus seguidores foram todos exemplos de bons cristãos como hoje se afirma?
4) Os batistas têm identidade teológica com os grupos reformados?
  Não é apropriado referir-se a uma teologia reformada, mas sim a teologias reformadas. Embora seja possível identificar pressupostos comuns entre elas, há diferenças teológicas, hermenêuticas, eclesiológicas, e éticas. Eis algumas: Calvino e Lutero mantiveram a ceia e o batismo como sacramentos, enquanto Zwinglio ensinou que não conferem graça possuindo somente valor simbólico. Lutero considerou os livros de Judas, Tiago, Hebreus e Apocalipse como apócrifos. Também não desenvolveu uma doutrina ética aprofundada, mas Zwingllio o fez, enfatizando a ação do Espírito Santo. Lutero propôs uma interpretação bíblica próxima ao método histórico gramatical, enquanto Calvino e os puritanos tendiam a uma hermenêutica mais literal. Luteranos e anglicanos praticavam governo episcopal da igreja, enquanto Calvino propôs um governo por presbíteros. Quanto à piedade cristã, reformados iam desde a ascese no mundo proposta por Calvino à contemplação dos místicos alemães.
  O que todas as teologias reformadas tinham em comum era a afirmação dos três princípios da Reforma: sola scriptura, sola gratia, sola fide. Ou seja: aceitação somente da autoridade das Escrituras, da graça de Deus em Cristo para nossa salvação, e da fé em Cristo como meio para recebê-la. Mas esta continua sendo hoje a convicção comum característica aos verdadeiros evangélicos.
  Amamos e respeitamos nossos irmãos das denominações reformadas. Mas a “teologia reformada” não é totalmente fiel à Bíblia. Embora os reformadores tenham afirmado o princípio da “sola scriptura”, a verdade é que mantiveram tradições da Igreja Católica Romana, como o sacramentalismo, o batismo infantil e o conceito de igreja territorial. A exceção foram os anabatistas, que romperam totalmente com a tradição católica e buscaram uma total fidelidade à Bíblia. Os anabatistas não se consideravam reformadores, pois, segundo eles, nada havia na igreja de Roma para ser reformado, e estavam, isto sim, retornando ao cristianismo neotestamentário.
  Não podemos negar a contribuição dos reformadores. Mas não podemos tomá-los cegamente como exemplo e inspiração de vida cristã. Lutero encorajou os nobres a reprimirem com violência a revolta dos camponeses. Zwinglio pretendia expandir pela força a sua reforma na Suíça, morrendo de ferimentos de combate. Calvino foi intolerante com os discordantes de sua teologia, conseguindo a execução de alguns por heresia. A Igreja Anglicana perseguiu os puritanos, congregacionais e batistas. Os puritanos, por sua vez, foram muito intolerantes em algumas de suas colônias na América do Norte. O episódio mais conhecido é o da execução de vinte pessoas na cidade de Salém, acusadas de bruxaria. Os anabatistas, ainda no século XVI, foram os primeiros a afirmarem o direito à liberdade de consciência e de religião.
    Qual a identidade teológica dos batistas com a “teologia reformada”? Os batistas contemplam os três princípios da reforma. Entretanto, a grande diferença é que realmente levamos avante o princípio da “sola scriptura”. Por isso, acrescentamos outros essenciais e temos diferenças doutrinárias marcantes: Cremos no pleno exercício do livre arbítrio e rejeitamos a predestinação calvinista. Praticamos o batismo somente de convertidos e na forma bíblica, rejeitando o pedobatismo. Reunimo-nos em igrejas locais e autônomas. Ceia e batismo para nós são ordenanças de Cristo de caráter simbólico, e não sacramentos que nos trazem alguma forma da graça de Deus. Assim, a teologia batista não encontra identificação profunda com a “teologia reformada”, mas sim com a teologia dos anabatistas, com a qual temos vários pontos em comum.
  Portanto, batistas não têm uma “teologia reformada”. É muito estranho ouvir da boca de um batista que precisamos retornar à teologia reformada. É incoerente com a história e com a Bíblia. Se algo nos falta, talvez seja pela pressão da secularização, e também justamente por querermos seguir ideias humanas. O que precisamos é nos voltarmos cada vez mais para a Bíblia e para o Senhor que nela se revela. E não idealizarmos uma “teologia reformada”, cuja perfeição não existiu, para nos refugiarmos nela.


Leituras sugeridas:

WALKER, W., NORRIS, E. Richard A.,   LOTZ, David W.,  HANDY,  Robert T.    História         da   
          igreja cristã. Trad. Paulo Sipierski. 3ª ed. São Paulo: ASTE. 2008

ESTEP, William R.   Revolucionários del siglo XVI - historia de los anabautistas.    El    Paso, 
          EUA: Casa Bautista de Publicaciones. 1975

PEREIRA, José dos Reis.  Breve história dos batistas.  2ª edição.   Rio  de Janeiro:   JUERP. 
          1979

SEEBERG, Reinhold.   Manual  de  história  de  las  doctrinas  Tomo II.   Trad.  José  Míguez 
          Bonino. 2a ed. El Paso - EUA: Casa Bautista de Publicaciones. 1967

TILLICH, Paul.  Pensamiento cristiano y cultura en occidente: de los orígenes a la reforma
         Trad. Maria Teresa La Valle. Buenos Aires: Editorial La Aurora. 1976.

HAGGLUND, Bengt.  História da teologia.  Trad.  Mário L. Rehfeldt e Gládis K. Rehfeldt.   2a 
          edição. Porto Alegre: Ed. Concórdia, 1981.

OLSON, Roger E.   História  da  teologia  cristã:  2000  anos  de  tradição  e  reformas. Trad. 
          Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida, 2001.

GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. Trad. Gérson Dudus e Valéria Fontana. São 
         Paulo: Vida Nova. 1993.

https://mundoestranho.abril.com.br/historia/quem-foram-e-como-morreram-as-bruxas-de-salem/