quinta-feira, 29 de setembro de 2016

PASTORES QUE SE MATAM

      Causa-nos grande impacto e tristeza quando recebemos a notícia de que alguém cometeu suicídio. Tratando-se de um pastor, mais ainda. Pastores são, muitas vezes, referenciais de equilíbrio e perseverança, mesmo em sua frágil condição humana. Olhando para seus exemplos de vida alicerçada sobre a fé concluímos que, de fato, é possível atravessarmos os mares revoltos da vida sem sucumbirmos ou perdermos o rumo. Creio que este é o motivo maior de nossa perplexidade e confusão diante do fato. Contudo, não apenas pastores, mas também outros membros de igrejas têm cometido suicídio.
      As estatísticas apontam um crescimento no número de suicídios. Há muitas tentativas de explicar os motivos. A maioria apresenta como causas os problemas existenciais e as enfermidades emocionais. Mas é importante ressaltar que praticamente todas as pessoas enfrentam problemas que podem induzir à depressão, e a maioria não comete suicídio. Temos um forte instinto de autopreservação. Há um consenso que determinados indivíduos reúnem fatores que os tornam mais propensos à depressão e até ao suicídio. Mas porque cresce o número dessas pessoas? As várias hipóteses formuladas não levam em consideração o fato de que o aumento de suicídios coincide com a crescente secularização da sociedade. É inegável que o vazio espiritual tem fragilizado e desestruturado profundamente o homem contemporâneo em muitos aspectos. A existência alienada de Deus é desesperadora. A filosofia existencialista tentou oferecer respostas para este desespero. O hedonismo que permeia a cultura atual nada mais é do que um escapismo semelhante às antigas propostas de alguns filósofos epicureus. O desespero existencial que leva ao suicídio não é potencializado somente pela depressão, mas pela falta de Deus preenchendo a vida.
      Não tenho a pretensão, obviamente, de explicar taxativamente o suicídio. Nem quero rotular impiedosamente os que cometeram suicídio. Nem tão pouco discutir se o crente suicida é salvo ou não (convém lembrar que Jesus afirmou que o único pecado que não tem perdão é a blasfêmia contra o Espírito Santo). Sabemos, sim, do peso das enfermidades como a depressão. Mas há que se considerar o fator espiritual como importante para o suicídio. Vejamos o que a Bíblia nos apresenta sobre o assunto:
Afastamento de Deus e atuação do Diabo contribuem para o suicídio
      A Bíblia menciona seis pessoas que cometeram suicídio: Abimeleque (Juízes 9:54), Saul e seu escudeiro (I Samuel 31:4-6), Aitofel (II Samuel 17:23), Zinri (II Reis 16:18) e Judas (Mateus 27:5). A Bíblia não descreve o caráter do escudeiro de Saul, mas os outros cinco eram homens ímpios que se entregaram ao pecado. Todos os cinco afastaram-se de Deus, enfrentaram situações de crises terríveis provocadas por suas escolhas pecaminosas e deixaram-se dominar pelo desespero, amargura ou remorso até ao ponto de tirarem sua própria vida.
      Jesus avisou que Ele veio trazer-nos vida que satisfaz, mas que o Diabo deseja destruir o ser humano (João 10:10). Enquanto Jesus oferece satisfação interior, Satanás trabalha para enganar e destruir vidas. As escolhas de cada indivíduo é que o colocam sob as bênçãos espirituais de Jesus ou na destruidora prisão do Diabo.
Ao observar o crescimento da malignidade opressiva nos tecidos socioculturais, temos que admitir que a Bíblia está certa ao afirmar que há uma ação satânica objetivando destruir o ser humano de todas as formas. A Bíblia afirma que o mundo jaz no maligno, e que ele trabalha de maneira sutil e velada para opor-se a Deus e destruir toda sua obra (I João 5:19, II Tessalonicenses 2:7). O homem é a máxima e mais amada expressão da obra de Deus. Foi criado à sua imagem e semelhança, e Deus se fez homem e por ele sofreu e morreu para salvá-lo. Por isso Satanás está tão empenhado em destruir cada indivíduo e toda a humanidade. Ele procura enganar e oprimir o homem de todas as formas, e aos angustiados e desesperados apresenta o suicídio como alternativa. Ele usou a esposa de Jó para sugerir-lhe que o suicídio era a solução para por fim ao seu sofrimento (Jó 2:2-9).

O discípulo de Cristo está sujeito ao sofrimento, porém o experimenta na perspectiva da esperança
      A narrativa do Gênesis explica a razão do sofrimento humano. Deus criou o mundo perfeito, mas o pecado tornou-o local de sofrimento (Gênesis 1:31, 3:17-19). O discípulo de Cristo também está sujeito ao sofrimento causado por determinadas contingências da existência humana. O próprio Senhor Jesus declarou isto (João 16:33). Entretanto, a maneira como sofremos é diferente do ímpio sem Cristo. Jesus afirmou que devemos ter bom ânimo, pois ele venceu o mundo. Sua vitória nos acrescenta perspectiva e esperança que supera o sofrimento. Em que consiste a vitória de Cristo sobre o mundo? O Senhor Jesus viveu uma vida plena, pois era completamente direcionada para Deus. Assim, seu interior era pleno de comunhão com Deus e das virtudes do caráter de Deus. Acima de tudo, quando o mundo pareceu derrota-lo, Ele triunfou sobre o mundo transformando sua morte na expiação por nossos pecados e ressuscitando. Assim, ele apresentou sentido para a vida e solução para a morte. Além disso, Jesus nos enviou o seu Santo Espírito consolador. Ele habita no crente proporcionando-lhe vida e satisfação interior como uma grande nascente irrigando a terra seca (João 7:37-39). Por isso o apóstolo Paulo afirmou que, embora sujeitos ao sofrimento exterior e interior, não somos dominados por sentimentos destruidores (II Coríntios 4:8-18).
      O que encontramos na Bíblia, e os questionamentos sem resposta, levam-nos a concluir que o afastamento de Deus é um dos fatores que levam ao suicídio, pois dá lugar ao vazio existencial  e ao desespero, oferecendo oportunidade para que o inimigo de nossas almas potencialize os demais fatores que podem levar ao suicídio. Quanto aos pastores, o fato de sermos vocacionados e capacitados por Deus não nos torna imunes às situações e enfermidades que predispõem à depressão e ao suicídio. E, como qualquer outro crente, se não cultivarmos verdadeira comunhão com Deus, podemos pouco a pouco sermos tomados pelo vazio existencial.
O que devemos fazer?
     A Bíblia afirma que devemos viver como peregrinos, rejeitando os desejos pecaminosos que fazem mal à alma (I Pedro 2:11). O crente em Cristo, portanto, não deve adotar o estilo de vida mundano que leva ao afastamento de Deus e ao desespero existencial. Nem deve entregar-se à tristeza desmedida ou ao desespero ao atravessar as crises de nossa existência. Diante do sofrimento, dúvidas e angústias, Jó não sucumbiu porque não entregou-se a estes sentimentos, mas manteve-se submisso e confiante em Deus (Jó 2:10, 19:25:27, 42:1-6). Precisamos sempre lembrar que em Cristo somos mais que vencedores, e que caminhamos para a Pátria Celestial onde Deus enxugará de nossos olhos toda lágrima (Romanos 8:35-37, Apocalipse 21:1-4).
      Precisamos nos valer mais do recurso da oração. Paulo ensinou que não devemos andar ansiosos por coisa alguma, mas orar a Deus para que sua paz, tão grande que é inexplicável, tome conta de nossos sentimentos e pensamentos (Filipenses 4:6-7). Elias entrou em uma depressão tão séria que desejava morrer. Não teve coragem de cometer suicídio, mas orou expondo a Deus seus sentimentos e pedindo que Deus o levasse. Deus não o levou, mas livrou-o da depressão. Providenciou repouso para ele, falou com ele mansamente mostrando-lhe que não havia motivo para ele desesperar-se, mas que deveria seguir em frente com sua missão (I Reis 19:1-19). Elias foi tratado por Deus por que lembrou de orar.
      Deus nos consola e encoraja também por meio de outras pessoas. O apóstolo Paulo estava atribulado por intensos conflitos interiores e exteriores, e Deus o fortaleceu com a chegada de Tito, seu cooperador e amigo (II Coríntios 7:5-6). Pessoas deprimidas sentem desejo de isolar-se, mas precisam buscar um irmão amigo de confiança para que o ajude. E se nós percebermos alguém deprimido, devemos ir a ele, sem esperar que nos chame, e ouvi-lo e ajuda-lo amorosamente.
      Quem está deprimido ou com impulsos suicidas deve procurar ajuda espiritual junto ao seu pastor. Ele pode ouvir, orientar e orar junto, e, se necessário, recomendar um psicoterapeuta para ajudar na cura. A Bíblia afirma que toda boa dádiva vem de Deus (Tiago 1:17). Um psicoterapeuta capacitado a nos ajudar é bênção de Deus. Se ele for um crente em Cristo é melhor ainda, pois coloca-se totalmente nas mãos de Deus e sabe avaliar melhor nossa maneira de pensar e sentir, pois compartilha da mesma fé, valores e referenciais.
      A nós, pastores, além das sugestões acima, proponho algumas mudanças em nossas mentes e atitudes. Precisamos parar com a “síndrome do pêndulo pastoral”: hora nos vitimizamos, hora nos julgamos à prova de tudo. Precisamos varrer de nossas mentes essa ideia de que somos uns “coitadinhos”, que escolhemos a pior função do mundo e todos nos desprezam e hostilizam. Não é bem assim. Sou pastor há 33 anos e realmente atravessei problemas no ministério, e todos foram oportunidades para amadurecer e depender mais de Deus. Além disso, as alegrias foram muitas. Houve, inclusive, muitas ocasiões em que fui muito bem recebido ao me apresentar como pastor. Dirigidos e fortalecidos por Deus suplantamos os problemas e dificuldades. Paulo afirmou que quem almeja ser pastor deseja uma excelente obra (I Timóteo 3:1). A atitude de nos fazermos de pobres vítimas nos leva a nos fecharmos em relação às outras pessoas. Membros da igreja passam a ser vistos como pessoas ameaçadoras e não como irmãos amados, companheiros no ministério. Esta atitude também nos predispõe a pensamentos depressivos e ao desânimo.
      O outro extremo do pêndulo é o de nos julgarmos superiores, inatingíveis, à prova de tudo. Diz o ditado que quanto mais alta a árvore, maior a sua queda. Quando achamos que podemos lidar com todos os problemas muito bem, e nada poderá nos abater, nos momentos de crise sofremos mais e escondemos, evitando dividir com outras pessoas que poderiam ajudar. Temos que reconhecer que nossa atividade apresenta determinadas peculiaridades  que podem provocar tensão e desgaste emocional. Se reconhecemos nossa fragilidade diante da caminhada cristã e do ministério, saberemos lidar com ela de maneira sábia e construtiva. Precisamos ser humildes e reconhecer que somos frágeis e dependentes da graça de Deus como todos os nossos irmãos.
      Pastores queridos, vamos dividir mais as cargas. Paulo aconselhou que devemos levar as cargas uns dos outros (Gálatas 6:2). Façamos de nossas ovelhas amigos, e de nossos colegas de ministério amigos e conselheiros. Façamos do ministério, não um fardo pesado, mas a excelente obra. Permitamos que o Espírito Santo sempre produza em nós seu fruto abundantemente, para que vivamos sempre satisfeitos e alegres, cheios de amor para repartir.
      Seria deprimente o quadro do final do ministério do pastor Paulo? Injustamente trancado em uma prisão romana, pobre e abandonado, ele aguardava sua sentença de morte e execução. Deveria ficar amargurado, desesperado, entrar em depressão? Claro que sim. Entretanto, fazendo o balanço de sua vida e ministério, considerava-se um vitorioso, pois cumprira bem sua missão e sabia que o prêmio lhe aguardava no Céu (II Timóteo 4:6-8). Queridos, cultivemos sempre a comunhão com Deus, dependamos de sua graça, e sejamos vitoriosos até o fim.